“Nós Como Negros Precisamos Acertar Duas Vezes”
Há um dito popular, tremendamente racista, que diz, que negro (preto) quando não caga na entrada, defeca na saída. Exatamente, por isso, eu não o faço em público. Faço no oculto do meu lar.
“Seja pronto para ouvir, mas tardio no falar,
para bem menos errar
afinal, nós negros temos que acertar
duas vezes mais...
Primeiramente quando provando o que somos
depois “ quando justificando aquilo que não somos (aquilo que não fazemos)”
Pode até soar meio exacerbado da minha parte. Mas o título acima condiz com a realidade do negro no Brasil. Quem nunca sofreu com o preconceito racial? Eu já. Muitas vezes, e das mais variadas formas. Aliás, só para ressaltar o teor dessa questão devemos, nos conscientizar, que vivemos numa sociedade amplamente racista.
O racismo está aí, patente ao olhar de todos, envolto em um preconceito velado, mascarado. Está presente em qualquer esquina, está assentado nas cadeiras das universidades, está trafegando nos shopping centers da vida, se encontra nas instituições religiosas. Enfim, se faz presente em toda e qualquer parte da nossa esfera da nossa sociedade.
O pior, é que muitos de nós (negros), nos encontramos à mercê da falta (ou perda) de nossa identidade sociocultural. Não conhecemos nada (ou conhecemos muito pouco) da nossa história, da nossa cultura e dos aspectos do nosso povo. E mais, não possuímos base filosófica, para compreender a importância e a amplitude te tudo isso. Infelizmente. E, ainda, o pouco que conhecemos, vemos ou lemos se encontram impressos ou inseridos em livros e vídeos defasados, materiais outorgados por pessoas que não conhecem o conteúdo a fundo. Essas obras, não retratam a “Verdadeira História”: as torturas, as chacinas, os estupros (violações), escárnios, matanças ocorridas ao longo de nossa “vergonhosa história do Brasil”. Mortes aos milhares, nos porões dos navios negreiros, nos engenhos de açúcar, nas senzalas, enfim, em todo o contexto do sistema colonial, ou fora dele. Tudo isso ocorreu e nós aceitamos de forma passiva e omissa.
Eu particularmente, “agradeço” em poucas e ríspidas palavras, a um ser asqueroso e preconceituoso, um “monstro de aspecto feminino” travestido de educador de uma escola particular na qual estudei. Essa pessoa, se é que posso considerá-la como tal, mostrou-me o que é o racismo de uma forma bastante agressiva, quando eu tinha apenas oito anos de idade. Época de Copa do Mundo, México 1986, cada aluno dizia ser um atleta ou outro. Eu gostava muito do jogador Careca. Escolhia ser o atleta. Ela sorrindo ironicamente, debochava da minha cara, falando que o único jogador “preto como eu” era o Josimar. Nada contra o Josimar. O pior ainda estava para acontecer. Ela desferiu um tapa em meu rosto, simplesmente pelo fato de eu ser uma criança negra. Que culpa uma criança tem por carregar um pigmento (melanina) na pele? Pois é, eu queria saber o porquê do tapa, a razão de eu ser negro. Porque eu, justo eu. No oculto do meu quarto, chorava. Na inocência de criança, brigava com “papai do céu”, implorava para que ele me deixasse ser branco como os demais.
Olha a extrema maldade de um ser, veja o que esse animal sem coração fez com uma criança. Quase que perdi a minha identidade sócio-racial por causa desta pessoa. Ia perder minha identidade antes mesmo de possuí-la. Mas mesmo assim, apesar de “você”, descobri que o amanhã poderia me revelar um novo dia. Aprendi que o mal se esconde num sorriso de candura. Descobri enfim, que a vira é dura. Cresci levando “tapinhas” nas costas de quem mais me odiava e pude discernir no meio da multidão, entre os “falsos amigos” aquele que seria meu INIMIGO de VERDADE. RACISMO. Deixe de ser covarde. Tire a máscara. Mostre a sua face como ela é. Nós precisamos te conhecer melhor. Premie-nos com a sua coragem, dispa-se dessa tua “velha roupagem”. Mostre-nos tua verdadeira imagem.